11 maio 2008

Espiritualidade do Catequista

Voltei aqui, para colocar um texto grandito, que tenho guardado na gaveta há bastante tempo. Partilho-o! Quem já me ouviu falar por certo verá aqui muitas coisas já ditas por mim.



Notas da Espiritualidade do Catequista


Desde sempre, Deus chama na sua Igreja a pessoas concretas que, em razão do Baptismo e pelo dom do Espírito Santo, são enviadas para que percorram os caminhos dos homens, anunciando-lhes a Boa Nova da salvação. Estes enviados são os catequistas que, tal como Jesus Cristo, se hão-de aproximar de todos os homens, dizendo-lhes o amor salvífico de Deus(Cf AG 15). Esta missão que o catequista realiza na Igreja de Jesus Cristo, precisamente porque é um envio, remete o catequista sempre Àquele que o envia, a Quem está na origem da sua missão: ao Deus de Jesus Cristo. O catequista é, então, um apóstolo que participa da missão da Igreja.
A missão do catequista será tanto mais fiel quanto mais estiver em união com Deus, ou seja, quanto mais o enviado viver da vida daquele que envia, numa humildade de se saber apenas instrumento, já que o principal catequista é o Espírito Santo(Cf EN 75). Ao catequista cabe apenas a missão de ajudar os catecúmenos a acolher a acção do Espírito Santo(DGC 22), que há-de fazer com que cada fiel compreenda o sentido profundo do Mistério de Cristo(Cf EN 75). O catequista é chamado a ser um facilitador da acção do Espírito Santo na vida de cada pessoa e na sua conversão ao Senhor Jesus. Esta realiza-se, em última instância, na relação única e pessoal do catequizando com Deus. A catequese é, como crescimento e amadurecimento na fé cristã, obra do Espírito Santo, obra que só Ele pode suscitar e manter na Igreja(Cf CT 73).
Todos os fiéis devem ter uma vida espiritual séria e fecunda, mas o catequista, em razão do seu ministério da Palavra, deve ter uma profunda espiritualidade capaz de o ajudar a renovar-se continuamente na sua identidade específica. O ministério do catequista está essencialmente unido à comunicação da Palavra. A “primeira atitude espiritual do catequista está relacionada, pois, com a Palavra contida na revelação, pregada na Igreja, celebrada na liturgia e vivida essencialmente pelos santos. É sempre um encontro com Cristo, oculto na sua Palavra, na Eucaristia, nos irmãos. Abertura à Palavra significa, no fim de contas, abertura a Deus, à Igreja e ao mundo”(GCM 7).
A necessidade de uma espiritualidade própria do catequista deriva da sua vocação e missão. Por isso, “a espiritualidade do catequista comporta, com uma nova e especial exigência, uma chamada à santidade. A feliz expressão do Sumo Pontífice João Paulo II, ‘o verdadeiro missionário é santo’, pode aplicar-se certamente ao catequista. Como todo o fiel, o catequista ‘está chamado à santidade de missão’, ou seja, a realizar a sua própria vocação ‘com o fervor dos santos’”(GCM 6), pois sabe que é portador de uma sabedoria que vem de Deus.
O catequista, na preocupação de realizar bem a sua missão, deve preocupar-se também com a vida espiritual(Cf AG 17). A espiritualidade do catequista tem como notas específicas aquelas que derivam do seu ser e missão da Igreja, que o distinguem das outras funções e tarefas eclesiais. Assim, não há possibilidade de vida espiritual se não se recebeu o dom do Espírito Santo, se não se vive sob a sua acção e não se é conduzido por Ele.
A vida espiritual como vida no Espírito, é o desenvolvimento da vida de Deus em cada pessoa criada, amada e salva por Deus(Cf CCE 355-421).
A esta concepção de homem criado por Deus – que pecou e a quem Deus chama à comunhão de vida com Ele, à salvação, pelo Mistério de Cristo – responde cada fiel com o apreço pela vida divina que Deus oferece através da vida no Espírito Santo. Este “apreço pela vida de Deus se dará na medida em que o próprio catequista tenha experiência da mesma. Dificilmente se poderá ocupar de que o catecúmeno cresça na vida cristã se ele mesmo não a cultivou como uma prioridade. Isto significa que o catequista deve ocupar-se da sua própria vida no Espírito como exigência da responsabilidade que lhe outorga a Igreja”[1], catequizar. O catequista experimentará um processo contínuo de amadurecimento na fé e configuração com Cristo, segundo a vontade de Deus Pai, guiado pelo Espírito Santo(Cf ChL 57).
De acordo com a exortação apostólica Christifideles Laici, o plano pessoal de vida espiritual cristã, necessário para todo aquele que quer viver na busca permanente da vontade de Deus, tem como elementos indispensáveis a escuta pronta e dócil da Palavra de Deus, a oração filial e constante, uma verdadeira direcção espiritual, e a leitura, feita na fé, dos dons e dos talentos recebidos, bem como das diversas situações sociais e históricas em que nos encontramos(Cf ChL 58). Este plano de vida espiritual proposto pela Igreja está ao serviço da vida no Espírito, ou seja, do processo configurador com Cristo, sob a acção do Espírito Santo.

Cristocêntrica
A catequese tem uma finalidade cristocêntica, pois procura favorecer a comunhão do convertido com Jesus Cristo(Cf CT 5), o que deve impregnar toda a vida dos catequistas(Cf DGC 235). A nota essencial da espiritualidade de todo o missionário e, por conseguinte, também do catequista, “é a comunhão íntima com Cristo: não é possível compreender e viver a missão, senão na referência a Cristo, como Aquele que foi enviado para evangelizar”(RMi 88). Por isso, o objectivo de toda a formação catequética é levar o “catequista a saber animar eficazmente um itinerário catequético, no qual, através das etapas necessárias, anuncie Jesus Cristo; dê a conhecer a Sua vida enquadrando-a na totalidade da história da salvação; explique o mistério do Filho de Deus, feito homem por nós; e, por fim, ajude o catecúmeno ou os catequizandos a identificar-se com Jesus Cristo por meio dos sacramentos da iniciação cristã”(DGC 235). O catequista deverá, pois, aprofundar cada vez mais estes aspectos basilares da espiritualidade cristocêntrica.
Ao catequista pede-se, pois, uma comunhão com Cristo, sendo um testemunho e sinal dessa comunhão de vida com Ele. O cristocentrismo da catequese convida o catequista a viver como homem novo (cf Ef 4, 20-24), tal como apresenta S. Paulo na Carta aos Efésios: escutar aquilo que diz respeito a Jesus Cristo e é transmitido pela Igreja, conhecendo a verdade do Mistério salvífico de Cristo; e chegar a viver desse Mistério, assimilá-lo de tal maneira que chegue a “revestir-se do homem novo, que foi criado em conformidade com Deus, na justiça e na santidade, próprias da verdade”(Ef 4,24). Deste modo “deixaremos de ser crianças, batidos pelas ondas e levados por qualquer vento da doutrina, ao sabor do jogo dos homens, da astúcia que maliciosamente leva ao erro; antes, testemunhando a verdade no amor cresceremos em tudo para aquele que é a cabeça, Cristo. É a partir dele que o Corpo inteiro, bem ajustado e unido por meio de toda a espécie de articulações que o sustentam, segundo uma força à medida de cada uma das partes, realiza o seu crescimento como Corpo, para se construir a si próprio no amor” (Ef 4,14-16).
O progresso espiritual encaminha para uma mais íntima união com Cristo(Cf CCE 2014), e o catequista assume, pois, na sua vida, a referência de obediência amorosa de Jesus ao Pai e revive no seu mistério pascal de morte e ressurreição a história de seguimento da vontade divina, que configurou toda a sua vida, introduzindo-se assim plenamente no mistério trinitário. Jesus Cristo aperfeiçoou e completou a Sua revelação “completando-a e confirmando-a com toda a manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, com sinais e milagres, e sobretudo com a sua morte e com a sua ressurreição e com o envio do Espírito de verdade”(EN 12). Jesus Cristo, Filho de Deus, através das suas palavras e dos seus gestos revela o ser e o amor do Pai, pelo que a sua obediência filial e o cumprimento da Sua vontade acaba por ser o modo pelo qual mostra a união entre o Pai e o Filho. Este é o modelo e o centro de toda a experiência pascal possível, pois em Jesus cada pessoa pode experimentar o amor do Pai, revelado pelo Filho, e onde todos são chamados a serem filhos de Deus, assumindo de forma incondicional e livre a vontade salvífica de Deus.
O catequista tem como missão narrar a história de Jesus Cristo, por mandato da Igreja, pelo que o próprio catequista tem de ser alguém que segue muito de perto a Jesus Cristo em comunhão com a Igreja que é enviada e evangelizadora. Também ela envia evangelizadores e “coloca em seus lábios a Palavra que salva, que lhes explica a mensagem de que ela mesma é depositária, que lhes confere o mandato que ela própria recebeu e que, enfim, os envia a pregar. E a pregar, não as suas próprias pessoas ou as suas ideias pessoais, mas sim um Evangelho do qual nem eles nem ela são senhores e proprietários absolutos, para dele disporem a seu bel-prazer, mas de que são os ministros para o transmitir com a máxima fidelidade”(EN 15). Este é um testemunho que os catequizandos têm de perceber no catequista, para que a catequese possa ser um processo de introdução cada vez maior nos mistérios da fé presentes na Igreja(Cf GCM 7).
O catequista é, então, um discípulo de Cristo que vive na obediência da fé o seguimento existencial do Senhor Jesus e esta condição de discípulo, que escuta o Mestre e vive em dependência pessoal dele, é uma característica fundamental da vocação e missão do catequista.
Esta característica cristocêntrica envolve directamente a identidade do catequista e a sua preparação, que deve ser conseguida através de uma profunda familiaridade com Cristo e com o Pai, no Espírito(Cf GCM 20). É esta familiaridade com Cristo que envia cada catequista a catequizar que constitui o verdadeiro motor da catequese(Cf DGC 239), pois, como adverte o Catecismo da Igreja Católica, é “deste conhecimento amoroso de Cristo que brota o desejo de O anunciar, de ‘evangelizar’ e levar os outros ao ‘sim’ da fé em Jesus Cristo”(CCE 429).

Pneumatológica
No início já referimos o aspecto pneumatológico da espiritualidade, ou seja, da fidelidade ao Espírito Santo, na espiritualidade do catequista. Mas é importante referir que a missão do catequista será tanto melhor realizada quanto mais estiver em união com Deus, ou seja, quanto mais o enviado viver da vida daquele que envia. O catequista sabe que o principal catequista é o Espírito Santo, por isso assume uma postura humilde de quem sabe que desempenha apenas a missão de ajudar os catecúmenos a acolher a acção do Espírito Santo(Cf DGC 22). O catequista, facilitador da acção de Deus, procura que cada fiel compreenda o sentido profundo do Mistério de Cristo(Cf EN 75).
A vida espiritual, como vida no Espírito, é o desenvolvimento da vida de Deus em cada cristão, a vida que o Filho inaugurou ao encarnar no seio da Virgem Maria, por acção do Espírito Santo. Graças à encarnação do Verbo, cada fiel pode participar da natureza divina. Esta vida divina é inaugurada no Baptismo. Fala-se de vida divina porque participa na mesma vida de Deus. É o Espírito Santo quem torna possível esta filiação. E é na Igreja onde essa vida é gerada, cresce e se robustece na fé, esperança e caridade. Pela acção do Espírito Santo, o cristão deixa de ser filho da Lei, para ser filho da Promessa (cf Ga 3-5).
A acção catequética exige, ainda, uma espiritualidade específica, que diz respeito ao modo particular como cada catequista é chamado a deixar-se guiar pelo Espírito Santo que anima, constrói e santifica a Igreja, o mesmo Espírito que “prepara os homens e adianta-se-lhes na sua graça para os atrair a Cristo. Manifesta-lhes o Senhor ressuscitado, lembra-lhes a sua Palavra e abre-lhes o espírito à inteligência da sua morte e ressurreição. Torna-lhes presente o mistério de Cristo, principalmente na Eucaristia, com o fim de os reconciliar, de os pôr em comunhão com Deus, para os fazer dar ‘muito fruto’”(CCE 737).
Uma espiritualidade pneumatológica “exprime-se, antes de mais, no viver em plena docilidade ao Espírito, e em deixar-se plasmar interiormente por Ele, para se tornar cada vez mais semelhante a Cristo. Não se pode testemunhar Cristo sem espelhar a Sua imagem, que é gravada em nós por obra e graça do Espírito. A docilidade ao Espírito permitirá acolher os dons da fortaleza e do discernimento, que são traços essenciais da espiritualidade missionária. Paradigmático é o caso dos Apóstolos, que durante a vida pública do Mestre, apesar do seu amor por Ele e da generosidade da resposta ao Seu chamamento, se mostram incapazes de compreender as Suas palavras, e renitentes em segui-l'O pelo caminho do sofrimento e da humilhação. O Espírito transformá-los-á em testemunhas corajosas de Cristo e anunciadores esclarecidos da Sua Palavra: será o Espírito que os conduzirá pelos caminhos árduos e novos da missão. Hoje a missão continua a ser difícil e complexa, como no passado, e requer igualmente a coragem e a luz do Espírito: vivemos tantas vezes o drama da primitiva comunidade cristã, que via forças descrentes e hostis «coligarem-se contra o Senhor e contra o seu Cristo» (At 4, 26). Como então, hoje é necessário rezar para que Deus nos conceda o entusiasmo para proclamar o Evangelho. Temos de perscrutar os caminhos misteriosos do Espírito e, por Ele, nos deixarmos conduzir para a verdade total (cf. Jo 16, 13)”(RMi 87).

Eclesial
Todas as vocações e ministérios cristãos brotam do seio da Igreja, em ordem à edificação dela mesma. “Existe, portanto, uma ligação profunda entre Cristo, a Igreja e a evangelização. Durante este ‘tempo da Igreja’ é ela que tem a tarefa de evangelizar. E essa tarefa não se realiza sem ela e, menos ainda, contra ela”(EN 16). A espiritualidade do catequista deve ter também presente o seu ser Igreja, da qual é membro vivo, que o envia para, através da iniciação cristã, implantar a Igreja e favorecer o crescimento da comunidade cristã(Cf AG 15).
À Igreja foi encomendada a Palavra para que a conserve fielmente, aprofunde a sua inteligência com a assistência do Espírito Santo e a proclame à humanidade(Cf GCM 7), através do ministério catequético(Cf DGC 230). A Igreja, Povo de Deus e Corpo Místico de Cristo, “exige do catequista um sentido profundo de pertença e de responsabilidade por ser membro vivo e activo dela; como sacramento universal de salvação, ela pede-lhe que se empenhe por viver o seu mistério e a sua graça multiforme para enriquecer-se com eles e chegar a ser sinal visível na comunidade dos irmãos”(GCM 7).
O tomar consciência, por parte do catequista, que recebe a sua missão da Igreja e a exerce em nome dela, exige que a própria vida espiritual do catequista se alimente da vida eclesial, que a Igreja seja a sua casa. Daqui derivam duas consequências: o participar na santidade da Igreja e também o sentir com a Igreja.
Assim, o catequista, como qualquer cristão, tem uma responsabilidade para com a Igreja, que é o participar da sua santidade, tal como afirma João Paulo II: “A vocação à santidade deverá ser compreendida e vivida pelos fiéis leigos, antes de mais, como sendo uma obrigação exigente a que não se pode renunciar, como um sinal luminoso do infinito amor do Pai que os regenerou para a Sua vida de santidade. Tal vocação aparece então como componente essencial e inseparável de nova vida baptismal e, por conseguinte, elemento constitutivo da sua dignidade. Ao mesmo tempo, a vocação à santidade anda intimamente ligada à missão e à responsabilidade confiadas aos fiéis leigos na Igreja e no mundo. Com efeito, a própria santidade já vivida, que deriva da participação na vida de santidade da Igreja, representa o primeiro e fundamental contributo para a edificação da própria Igreja, como ‘Comunhão dos Santos’”(ChL 17).
A espiritualidade eclesial é, pois, a participação na santidade que a Igreja tem em si mesma, pelo que quanto mais forte for a participação pessoal nos sinais da santidade da Igreja, tanto maior será a aprendizagem a viver na santidade. Os sinais da santidade da Igreja são a Palavra, os sacramentos, a oração, a fraternidade, os carismas e as vocações.
Para além disso, o catequista deve também sentir com a Igreja: amar, sentir e viver com ela. A maturidade apostólica não se consegue sem sentir com a Igreja. O sentido vivo e operante da Igreja faz com que o cristão ame e adira à Igreja superando as suas antinomias que para todos são motivo de separação e escândalo: visível e invisível, divina e humana, espiritual e material, santa e formada de pecadores. É a partir da convicção de que tudo aquilo que se recebe é da ordem da graça e é acolhido na Igreja e a ela se deve, que brota a sintonia profunda com a Igreja. Na Evangelii Nuntiandi chama-se a atenção para este facto de forma particularmente incisiva para os dias de hoje, em que a Igreja é, por vezes, incompreendida:
“Existe, portanto, uma ligação profunda entre Cristo, a Igreja e a evangelização. Durante este ‘tempo da Igreja’ é ela que tem a tarefa de evangelizar. E essa tarefa não se realiza sem ela e, menos ainda, contra ela. Convém recordar aqui, de passagem, momentos em que acontece nós ouvirmos, não sem mágoa, algumas pessoas – estamos em crer que bem intencionadas, mas com certeza desorientadas no seu espírito – a repetir que pretendem amar a Cristo mas sem a Igreja, ouvir a Cristo mas não à Igreja, ser de Cristo mas fora da Igreja. O absurdo de uma semelhante dicotomia aparece com nitidez nesta palavra do Evangelho: ‘Quem vos rejeita a mim rejeita’. E como se poderia querer amar a Cristo sem amar a Igreja, uma vez que o mais belo testemunho dado de Cristo é o que São Paulo exarou nestes termos: ‘Ele amou a Igreja e entregou-se a si mesmo por ela’?”(EN 16).
O catequista é, pois, chamado a imitar Cristo no amor à Sua Igreja. Trata-se de um amor activo e totalizante que chega a ser participação na sua missão salvífica a ponto de dar a vida, se necessário for. Este é o grau mais elevado do testemunho.
A espiritualidade eclesial mostra-se no amor filial à Igreja, “na consagração ao seu serviço e na capacidade de sofrer por sua causa. Manifesta-se especialmente na adesão e obediência ao Romano Pontífice, centro de unidade e vínculo de união universal, e também ao próprio Bispo, pai e guia da Igreja particular. O catequista deve participar responsavelmente nas vicissitudes terrenas da Igreja peregrina que, pela sua mesma natureza, é missionária e deve partilhar com ela também o desejo do encontro definitivo e beatificante com o esposo”(GCM 7), que é Cristo.
O catequista tem uma relação especial com a Igreja, porque a sua missão está destinada à implantação e desenvolvimento daquela, o que impele o catequista a crescer na sua relação filial com a Igreja.
Na formação dos catequistas, o facto de os capacitar “para transmitir o evangelho em nome da Igreja confere uma dimensão eclesial a toda a formação. A formação do catequista é uma ajuda para que ele se possa inserir profundamente na consciência viva e actual que a Igreja tem do Evangelho, tornando-se assim apto para O transmitir em nome da mesma Igreja. Mais concretamente, com a sua formação, o catequista entra em comunhão com aquela aspiração da Igreja, que, como esposa, ‘conserva íntegra e pura a fé do Esposo’ e, ‘como mãe e mestra’, quer transmitir o Evangelho em toda a sua autenticidade, adaptando-o a todas as culturas, idades e situações. Esta eclesialidade da transmissão do Evangelho permeia toda a formação do catequista, conferindo-lhe a sua verdadeira natureza”(DGC 236).
De realçar que, por um lado, o catequista participa da Igreja Esposa, que acolhe e guarda integralmente a fé que não é sua, mas do seu Senhor, e por outro, participa da Igreja Mãe e Mestra que transmite a fé recebida em toda a sua autenticidade. O educador da fé vive a dialéctica da fé com humildade e fortaleza: humildade porque sabe que o dom recebido o supera, e fortaleza para proclamar que o Evangelho é força e sabedoria de Deus. Por isso, o catequista tem como verdadeiro o Evangelho, mesmo quando para o mundo é loucura; proclama essa verdade, custodiada pela Igreja, sem medo, pois sabe que é a verdade que salva, a fé que dá a vida.
Para viver esta união com Cristo, em Igreja, o catequista precisa de se alimentar com os auxílios espirituais comuns a todos os fiéis, nomeadamente pela participação activa na Liturgia e pela união entre a fé professada e a fé vivida(AA 2), isto sempre com o auxílio da oração.



A vida teologal

A espiritualidade do catequista deve ter também como fundamento o desenvolvimento da vida teologal. Vamos, pois, agora debruçar-nos sobre a vida teologal do catequista, sobre a sua vida espiritual, baseando-nos nas virtudes teologais, percebidas e configuradas a partir da missão de catequizar. É que o apostolado “exercita-se na fé, na esperança e na caridade, virtudes que o Espírito Santo derrama no coração de todos os membros da Igreja”(AA 3). As virtudes humanas, as qualidades de cada pessoa, radicam nas virtudes teologais, que adaptam as faculdades do ser humano à participação na natureza divina. De facto, “as virtudes teologais referem-se directamente a Deus e dispõem os cristãos para viverem em relação com a Santíssima Trindade. Têm Deus Uno e Trino por origem, motivo e objecto”(CCE 1812).
As virtudes teologais são infundidas por Deus nos seus fiéis, para que sejam capazes de proceder como filhos de Deus. São “o penhor da presença e da acção do Espírito Santo nas faculdades do ser humano”(CCE 1813). Através das virtudes teologais, o catequista participa do Espírito que guia a Igreja e, por conseguinte, realiza a sua actividade eclesialmente.

Acredita, por isso anuncia
A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo o que Ele disse e revelou, e que a Igreja transmite(Cf CCE 1814). A fé do catequista é alimentada quotidianamente com o Evangelho, uma vez que a sua missão consiste em transmitir os aspectos fundamentais do Mistério cristão, tal como a Igreja o apresenta e é comum a todo o cristianismo(GCM 15). O catequista há-de estar consciente de que “a fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem. Foi por ela que os antigos foram aprovados”(Hb 11, 1-2). Por isso, mesmo que a fé comporte uma atitude de procura humilde e corajosa, fundamenta-se na Palavra de Deus que não se engana e é sobre esta rocha firme que edificamos a Igreja. O catequista possui, então, certezas simples e sólidas que hão-de ajudar a procurar um cada vez maior conhecimento do Senhor(Cf CT 60).
A sua vida cristã nutre-se dos acontecimentos salvíficos decisivos – sentido e chave de toda a escritura – e enunciados no Credo; dos valores evangélicos mais fundamentais, tal como aparecem nas Bem-aventuranças e no Sermão da montanha; das atitudes subjacentes ao Pai Nosso, configuradoras de toda a oração cristã.
A missão de transmitir a fé, o catequista só a poderá realizar se está, ele próprio, totalmente inserido na fé, pois só sendo mestre no Mestre é que se realiza um verdadeiro ensino da fé cristã. É o próprio Senhor que assegura que, na dinâmica de caminhar para o Pai, “as coisas que Eu vos digo não as manifesto por mim mesmo: é o Pai, que, estando em mim, realiza as suas obras. Crede-me: Eu estou no Pai e o Pai está em mim; crede-o, ao menos, por causa dessas mesmas obras. Em verdade, em verdade vos digo: quem crê me mim também fará as obras que Eu realizo; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai”(Jo 14, 10-12).
O discípulo de Cristo não guarda apenas a fé, mas também a professa, anuncia e transmite(Cf CCE 1816). O acto de transmitir a fé gera no catequista, por um lado, uma alegria profunda de se saber associado à missão de Jesus, mas também, por outro lado, um certo medo por se reconhecer carenciado e débil. Esta situação deve ser vista pelo catequista como uma oportunidade para crescer, também ele, na fé, juntamente com aqueles a quem a anuncia. Na medida em que cresce na fé, dar-se-á conta de que a fé é teologal, portanto dirigida primeiramente a Deus e procedente do dom de Deus, do Deus que é sempre fiel, tal como ensina São Paulo: “Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão com seu Filho, Jesus Cristo Nosso Senhor”(1Cor 1, 9). É nesta fidelidade de Deus, e no remeter sempre para Ele, que o catequista encontra a credibilidade do seu anúncio.
Deus mostra a Sua fidelidade porque cumpre sempre a Sua Palavra, mesmo quando há oposição ou indiferença; tem confiança no homem, no Seu povo e acredita nas suas possibilidades; e ama o Seu povo com amor de esposo, sempre fiel. É este acreditar no Deus fiel que dá segurança ao catequista, mesmo no meio das dificuldades e incompreensões.
A relação educativa com os catequizandos, o estilo de fazer catequese, é, então, levado a cabo sob esta inspiração da fidelidade de Deus, auxiliado pela pedagogia. Mais, as leis da pedagogia, como as de todas as ciências humanas, são assumidas, criticadas e superadas, conforme o caso, precisamente a partir desta fé em Deus, e do Seu modo de agir, de Se revelar e dar a conhecer.
À luz do acima exposto, a oração tem um lugar preponderante, pois nunca se pode falar de Deus aos homens sem primeiro falar demoradamente dos homens a Deus[2]. A oração está intimamente vinculada ao anúncio da Palavra como algo imprescindível: é o próprio Deus que o exige antes de enviar um profeta em missão(cf Gn 18,16-32; Jr 20,7-9; Am 3,8; 1Cr 1,4). Tal como refere a carta aos Hebreus(cf Hb 11), a transmissão da fé realiza-se sempre através de pessoas que dizem a verdade a partir da vida, através de um processo dinâmico, não sem sofrimento, de personalização, de interiorização, de meditação na verdade que depois anuncia.
Para além da oração, o catequista precisa também de meditar na Revelação, para obter a sabedoria da fé, ou seja, daquelas atitudes que deve viver e transmitir. São elas: o acreditar no Deus que se revela aos pobres e humildes, que não se serve de meios extraordinários para levar a cabo essa revelação e envia os seus discípulos de mãos vazias(cf Lc 10,2-4); a cruz, ou seja, o sofrimento e o fracasso, são os lugares em que Deus se manifesta fiel, fazendo prevalecer o Seu amor; e respeita sempre a liberdade humana, por isso não se impõe, antes convida e acolhe.
A oração, a meditação da Palavra e a consequente sabedoria da fé proporcionam à espiritualidade do catequista a solidez da simplicidade do Evangelho e a alegria profunda da Boa Nova incessantemente meditada. Porque se centra naquilo que une, o catequista assume aquilo que foi dito no testamento espiritual do Senhor(cf Jo 17).
“A unidade entre os fiéis que o seguem – escreve Paulo VI – não somente é a prova de que nós somos seus, mas também a prova de que Ele foi enviado pelo Pai, critério de credibilidade dos mesmos cristãos e do próprio Cristo.
Como evangelizadores, nós devemos apresentar aos fiéis de Cristo, não já a imagem de homens divididos e separados por litígios que nada edificam, mas sim a imagem de pessoas amadurecidas na fé, capazes de se encontrarem para além de tensões que se verifiquem, graças à procura comum, sincera e desinteressada da verdade”(EN 77).
O catequista, como membro da Igreja, enviado para a sua edificação, é capaz de acolher e edificar os diversos carismas seguindo o triplo critério da compresença, complementaridade e corresponsabilidade[3]; a unidade de fé será, então, fermento de unidade eclesial.

Dá razões da sua esperança
A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos o Reino dos Céus e a vida eterna como nossa felicidade, por isso pomos toda a nossa confiança nas promessas de Cristo, apoiados não nas forças humanas, mas na acção do Espírito Santo(Cf CCE 1817).
O catequista vê com esperança a acção de anunciar a Palavra de Deus, sabendo que “o Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. Quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele saber como”(Mc 4, 26-27). A esperança, como virtude teologal, fundamenta-se apenas em Deus e na Sua Palavra. É um dom do Espírito Santo: “Que o Deus da esperança vos encha de toda a alegria e paz na fé, para que transbordeis de esperança, pela força do Espírito Santo”(Rm 15,13). A pobreza do catequista é o que lhe permite despojar-se das seguranças provenientes dos instrumentos humanos e técnicos, e esperar a riqueza do anúncio proveniente apenas de Deus.
No seu trabalho apostólico, o catequista precisa de ter consciência da importância que esta virtude tem na sua vida. É ela que o há-de ajudar a superar os obstáculos e dificuldades próprios da missão de catequizar, assumindo-os e dando-lhe um sentido.
As dificuldades podem ser de várias ordens, inclusivamente inerentes ao próprio catequista quando reconhece a sua falta de fé, criadora de uma distância dolorosa entre o Evangelho que anuncia e a sua vivência real[4]. A esperança, fundamentada no Senhor Ressuscitado, é a única solução, muitas das vezes, para os problemas de fé, pois muitas das dificuldades da fé resolvem-se unicamente dentro desta perspectiva, que evidencia o sentido optimista de todo o projecto cristão, fundamentado no Deus da esperança.
Esta virtude teologal não é um argumento, mas sim uma dimensão básica que dá ao anúncio do Evangelho a sua originalidade. De facto, a Boa Nova anunciada por Deus contém significados para a existência actual, mas possui também muitas promessas para o futuro. Deus revela-nos não só o que somos, mas também o que seremos: “agora já somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de ser”(1Jo 3,2). A esperança vai unida à fé em Jesus Cristo.
O catequista, como pessoa de esperança, empenha-se em transformar o mundo, com o desejo de antecipar os novos céus e a nova terra(cf Ap 21,1), procurando colaborar com o Pai. A sua conduta moral constitui já uma presença e uma aprendizagem para a vida em comunhão com o Senhor, quando estivermos reunidos na Sua casa. A Igreja é o âmbito onde esperamos juntos a vinda gloriosa do Senhor Jesus.
Podemos, pois, esperar “a glória do céu prometida por Deus àqueles que O amam e fazem a Sua vontade”(CCE 1821). É baseando-se na força de Deus que a virtude da esperança comunica ao catequista uma energia interior que se manifesta na alegria íntima de saber-se ministro do Evangelho e de ser considerado digno de padecer por sua causa, pois muitas vezes anunciar a Palavra de Deus e testemunhá-la, é, por si, difícil. Trata-se de um verdadeiro martírio; o catequista é um mártir.

Conhece o Senhor, acredita no Amor
A caridade é a virtude teologal que torna o cristão capaz de amar a Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo, e ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus(Cf CCE 1822). A caridade do catequista orienta-se para Deus, dando-O a conhecer aos irmãos.
O catequista ama os seus catequizandos, pois “a obra da evangelização pressupõe no evangelizador um amor fraterno, sempre crescente, para com aqueles a quem ele evangeliza. Este modelo de evangelizador, que é o apóstolo Paulo, escrevia aos tessalonicenses estas palavras que são para todos nós um programa: ‘Tanto bem vos queríamos que desejávamos dar-vos não somente o evangelho de Deus, mas até a própria vida, de tanto amor que vos tínhamos’. E de que género é essa afeição? Muito maior do que aquela que pode ter um pedagogo, é a afeição de um pai, e mais ainda, a de uma mãe. É uma afeição assim, que o Senhor espera de cada pregador do Evangelho e de cada edificador da Igreja”(EN 76).
O amor à Igreja também configura a espiritualidade do catequista, pois ele é alimentado na sua tarefa de evangelizar também por esse amor, tal como o fez Cristo, que amou a Igreja e se entregou por ela(cf Ef 5,25). O Senhor pede, então, que tal como Ele, sejamos capazes de viver a caridade, de amar.
São Paulo deixou-nos na primeira carta aos Coríntios uma preciosa descrição da caridade, do amor:
“O amor é paciente,
o amor é prestável,
não é invejoso,
não é arrogante nem orgulhoso,
nada faz de inconveniente,
não procura o seu próprio interesse,
não se irrita nem guarda ressentimento.
Não se alegra com a injustiça,
mas rejubila com a verdade.
Tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta”(1Cor 13,4-7).

A acção catequética será levada a cabo de acordo com a imagem que o catequista tem de Deus, pelo que será conveniente descobrir o verdadeiro rosto de Deus, para O anunciar convenientemente. E São João diz-nos aquilo que Deus é: “Deus é amor”(1Jo 4,16). A catequese resumir-se-á a isto: anunciar o amor que Deus é e tem por cada ser humano. O catequista deverá manifestar o amor de Deus por cada ser humano, amando cada um em particular, com as suas especificidades. O amor que guia o catequista no seu ministério provém de Deus, é um dom que o catequista experimenta na sua comunhão de vida com o Senhor. Aliás, é daqui que provém o entusiasmo e a convicção que há-de transmitir àqueles a quem a Igreja o enviar como catequista, para que eles também descubram o amor de Deus para eles.
A caridade, o amor a Deus e, nele, aos irmãos, não é mais do que a resposta Àquele que nos amou primeiro.
“O amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida. É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros”(1Jo 4,9-11). Em Cristo ficámos a conhecer o amor de Deus, como é, e n’Ele somos convidados e viver de acordo com esse amor. A caridade cristã é, então, um dom do Pai, que se manifesta especialmente na solidariedade(cf Flp 2,1-11) e no serviço aos demais, nomeadamente aos pobres e abandonados.
Este estilo de vida amorosa é, por si, juntamente com o anúncio da Palavra, um convite à comunhão de todo o ser humano com Deus. Anunciar o amor de Deus é o mesmo que viver esse amor, pois não se pode falar de Deus como algo exterior, mas tem de ser algo que faz parte da própria vida de quem anuncia. Tem de ser um anúncio daquilo que é o maior bem para o ser humano, a comunhão com Deus. Pois a “razão mais sublime da dignidade do homem consiste na sua vocação à união com Deus. É desde o começo da sua existência que o homem é convidado a dialogar com Deus: pois, se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele por amor constantemente conservado; nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não conhecer livremente esse amor e se entregar ao seu Criador”(GS 19).
Ora, esta virtude, a caridade, precisa de ser continuamente alimentada no catequista pela vida de comunhão com o Senhor, o que se consegue através da oração e da liturgia sacramental. Os sacramentos, e em especial a Eucaristia, “comunicam e alimentam aquele amor para com Deus e para com os homens, que é alma de todo o apostolado”(LG 33) eclesial.



Uma espiritualidade que fundamenta a sua missão de testemunha
Prosseguindo a reflexão sobre a espiritualidade do catequista, que se percebe e configura em ordem à sua missão de transmitir a fé, convém ter presente que esta há-de ser proclamada pelo testemunho.
A Boa Nova é “proclamada, antes de mais, pelo testemunho. Suponhamos um cristão ou punhado de cristãos que, no seio da comunidade humana em que vivem, manifestam a sua capacidade de compreensão e de acolhimento, a sua comunhão de vida e de destino com os demais, a sua solidariedade nos esforços de todos para tudo aquilo que é nobre e bom. Assim, eles irradiam, de um modo absolutamente simples e espontâneo, a sua fé em valores que estão para além dos valores correntes, e a sua esperança em qualquer coisa que se não vê e que não se seria capaz sequer de imaginar. Por força deste testemunho sem palavras, estes cristãos fazem aflorar no coração daqueles que os vêem viver, perguntas indeclináveis: Por que é que eles são assim? Por que é que eles vivem daquela maneira? O que é ou quem é que os inspira? Por que é que eles estão connosco? (...) Todos os cristãos são chamados a dar este testemunho e podem ser, sob este aspecto, verdadeiros evangelizadores”(EN 21).
A Igreja tem bem presente que “o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. ‘O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas’”(EN 41). Assim, não se pode evangelizar sem ser pelo testemunho, mas só aquele que viva da fé é que é testemunha.
Com a consciência da importância do testemunho para a missão do catequista, vamos, pois, debruçar-nos sobre este assunto.

Forma de revelação
O testemunho é, antes de mais, uma forma de revelação. Revela algo de íntimo, não de uma forma meramente informativa, mas antes, e sobretudo, como compromisso vital entre aquilo que se anuncia e quem o anuncia.
A nível profano, quando se fala em testemunhar, dar testemunho de algo, refere-se essencialmente a informar ou dar a conhecer algo que se viu ou sabe. É o caso do testemunho jurídico. Neste primeiro nível de testemunho – devemos advertir que se apela já a uma certa confiança na palavra de quem fala – entrega-se a razão, confiando que aquilo que se diz é verdadeiro. Para quem não viu, a palavra do testemunho torna-se substituto da própria realidade.
O testemunho acaba por não ter apenas um valor informativo, mas é também um juízo sobre a realidade, pelo que a pessoa acaba por se comprometer a si mesma e emitir um juízo de valor. Estamos num nível mais elevado de compromisso: a pessoa que testemunha compromete-se por inteiro com o seu depoimento; a sua palavra é auto-empenhativa, o ser e o dizer coincidem.
Acontece, às vezes, que o testemunho é sancionado com uma profissão pública da sua convicção interna, que pode chegar ao sacrifício da vida. Estamos no nível mais elevado de testemunho, estamos no martírio.
Chegados a este ponto, verificamos a passagem do testemunho como palavra, ao testemunho como acção, e é a acção que dá sentido à palavra do testemunho, tal como é a palavra que esclarece a acção. O ponto firme em torno do qual gira esta mudança é o envolvimento da testemunha no acto de testemunhar. O testemunho revela de forma eminente a existência de uma interioridade. Estamos a passar para o contexto em que o testemunho de Cristo, o testemunho por excelência, é Aquele em quem o dizer e o agir coincidem na transparência do Seu ser.
Quando uma pessoa se empenha totalmente naquilo que diz, que testemunha, comprometendo a sua palavra e a sua acção, exprime a sua existência livre. A partir daqui, o testemunho adquire uma profundidade e dignidade especiais, tendo por objecto o mistério íntimo do ser pessoal: a pessoa é uma coisa só com aquilo que diz. A verdade do seu mistério interior torna-se transparente para aquele que escuta o seu testemunho.
Neste ponto, a liberdade tem um papel preponderante, pois aquele que escuta pode aceitar ou não o testemunho. Aqui está o drama de quem dá testemunho, o pôr em comum o seu mistério pessoal, que pode ser recusado. Só Deus pode dar à Sua Palavra uma garantia absoluta, devido à sua identidade eterna e absoluta consigo mesmo. Ao revelar-se a si mesmo, aquele que dá testemunho revela a sua interioridade e aquilo que o fundamenta, o sustém e é o centro da sua vida, ou seja, o Senhor. O catequista dá testemunha da acção de Deus nele, é um testemunho teologal.

Motivo de credibilidade
O motivo de credibilidade do testemunho do catequista é o próprio Deus, a Sua Palavra. Fica claro desde o princípio que a Revelação tem por objecto o Mistério íntimo de Deus e da Sua vontade, por isso há-de ter por força o carácter de testemunho. É Deus que fala de Si mesmo, de um Mistério inacessível e, em definitiva, que não se pode comprovar empiricamente. A aceitação da Revelação encontra o seu último fundamento precisamente na verdade e no amor de Deus, que se mostra como garantia daquilo que anuncia, pois Jesus Cristo é a Testemunha fiel e verdadeira(cf Ap 3,8). O homem de hoje, talvez sem se dar conta, pede “aos crentes de hoje não só que lhes ‘falem’ de Cristo, mas também que de certa forma lh'O façam ‘ver’. E não é porventura a missão da Igreja reflectir a luz de Cristo em cada época da história, e por conseguinte fazer resplandecer o seu rosto também diante das gerações do novo milénio? Mas, o nosso testemunho seria excessivamente pobre, se não fôssemos primeiro contemplativos do seu rosto”[5], pelo que o catequista deve manter o olhar sempre fixo no rosto do Senhor.
A realidade do testemunho deve ser bem cuidada. Ao abordarmos a espiritualidade do catequista reparamos que ele é essencialmente uma testemunha de fé. Por isso, vamos agora clarificar o sentido e as características do testemunho.

O testemunho na Sagrada Escritura
No Antigo Testamento, os profetas comunicam a Palavra de Deus. Essa Palavra é alheia ao próprio profeta, tendo este o encargo de anunciar uma Palavra que não é sua, mas de Deus. Esta transmissão há-de realizar-se graças a uma profunda transformação da sua própria vida, que ficará toda ela comprometida pela mensagem anunciada. A sua credibilidade não provém “da fidelidade aos seus próprios ideais, nem da firmeza heróica do seu programa de reforma social; não é a fidelidade a si mesmo nem o amor ao seu povo o que caracteriza radicalmente o profeta, é antes a mais rendida e completa, a mais sofrida e exclusiva fidelidade a Deus”[6].
O que constitui a originalidade do testemunho do profeta é o facto de ter sido escolhido e enviado por Deus, dentro de uma experiência privilegiada. Conhece o Senhor porque este tomou a iniciativa de Se dirigir ao profeta, admitindo-o numa intimidade especial, chamando-o a partilhar os Seus conhecimentos, projectos e vontade, para ser arauto no meio dos homens.
O profeta fala diante do povo para lhe comunicar uma mensagem, por isso é um homem público, que transmite a Palavra de Deus, a Sua vontade e os Seus desígnios salvíficos, preparando o povo eleito para a vinda do Messias. Através dos profetas, Deus dirige a Sua Palavra aos homens. Mas o contrário também se dá, ou seja, o profeta fala do povo a Deus, intercedendo pelos seus irmãos.
O profeta é, com efeito, um elemento de diálogo entre Deus e o povo, um ponto de encontro, um servidor da comunhão com Deus, um intercessor a favor do povo, um mediador da relação entre Deus e o seu povo.
Um verdadeiro profeta, e por consequência um bom catequista, é alguém permanentemente referido a Deus: um homem de Deus, que assume a mensagem que anuncia porque sabe que é a mensagem de Deus. Caracteriza-se pela fidelidade, e não pela busca de proveito próprio ou do êxito imediato, pela transmissão acertada de uma palavra, anúncio e denúncia, de cujo acolhimento depende a salvação da humanidade. É uma palavra que, assumida na sua vida, transforma o catequista, pela mesma força que pretende transformar a quem o escuta.
Agora, no Novo Testamento, onde os escritos de Lucas têm um lugar eminente sobre este assunto, o testemunho também se atribui a Deus, que se manifesta na criação e nas coisas criadas, mas “também na obra do Filho, que se realiza planamente no Espírito Santo, reveste-se de carácter testemunhal. Por último, também a pregação e a transmissão da fé se baseia nos testemunhos daqueles que desde o princípio estiveram com Jesus, testemunho que encontramos nos Evangelhos e demais textos do Novo Testamento e na pregação viva da Igreja”[7]. Mas vejamos calmamente esta evolução.
Inicialmente a palavra grega ‘mártir’ designava o testemunho de algo que se viu, de acontecimentos; o seu testemunho atestava aquilo que, de facto, se tinha passado. Essa concepção evolui(cf Hb 11,1-2) e passa a designar o testemunho de ideias e valores, em definitiva, testemunhos da fé. De meros testemunhos de coisas passadas, a acção de testemunhar começa a ter um significado originalmente cristão(cf Lc 22, 44-48). Os apóstolos são chamados testemunhas da vida de Jesus Cristo. Para além de testemunharem algo que viram e ouviram, testemunham também sobre a Ressurreição. A Sagrada Escritura é suficientemente esclarecedora: a “missão que Cristo confia aos Doze é a de dar ‘testemunho’ da sua palavra e da sua Ressurreição (cf Act 1,9; 4,2). De facto o termo com que o livro dos Actos se refere, preferentemente, aos Doze é o de ‘testemunhas’(cf 1,8; 2,22; 3,15; 5,32). Eles devem continuar a missão de Jesus (‘testemunha do Pai’) e, por sua vez, isto é o que confiam aos seus sucessores, os bispos, e por eles a toda a Igreja de modo que a missão própria da Igreja será ser testemunha da Ressurreição de Jesus Cristo, da salvação de Deus em Jesus Cristo”[8].
O título de testemunhas designa inicialmente aos apóstolos que, tal como os profetas, foram escolhidos por Deus(cf Act 1,26); viram e ouviram a Jesus(cf Act 4,20) e viveram na Sua intimidade(cf Act 1,21-22); receberam de Cristo a missão de testemunhar(cf Act 10,41) e foram investidos pelo poder do Espírito Santo para realizar essa missão(cf Act 1,8); por último, envolvem-se totalmente naquilo que anunciam, uma atitude que se traduz numa fidelidade a Cristo e ao Seu ensinamento, reconhecido como verdade e salvação do homem. De facto, o testemunho “tem por objecto, ao mesmo tempo, as coisas vistas e ouvidas e também o sentido dos acontecimentos. É em simultâneo narração e confissão”[9].
Surge agora uma questão: como pode ser testemunha de Cristo quem não viveu com Ele? O Livro dos Actos dos Apóstolos(cf Act 22,15; 26,16) mostra-nos a progressiva separação do binómio testemunha-apóstolo. No caso de São Paulo, este termo aplica-se “mas de um modo distinto dos apóstolos, uma vez que só estes são testemunhas dos acontecimentos da vida de Jesus, dado que Paulo não participou neles, nem possui uma experiência directa e pessoal. Paulo é testemunha no sentido de que professa uma convicção que se refere ao carácter e à função salvífica de Cristo”[10]. Ou seja, Paulo não é directamente testemunha dos acontecimentos de Cristo, mas sim da sua verdade, o que tem implicações para o testemunho que o catequista pode dar. É possível o testemunho, e por conseguinte a transmissão da fé, porque já no Novo Testamento testemunhar supera o vínculo estreito de união com os acontecimentos que há que testemunhar. Para além de ter conhecimento dos factos é também precisa a fé, dom do Espírito Santo, para se poder ver realmente quem é Jesus, para se poder contemplar a Sua glória(cf Jo1,14).
O catequista, como cada cristão, não foi testemunha ocular dos acontecimentos fundantes da Morte e Ressurreição do Senhor, mas pela fé participa neles. Estes acontecimentos fundantes estão presentes na Igreja, Sacramento de Salvação, pelo que, participar da vida da Igreja, torna possível, pela fé, participar nos acontecimentos fundantes de Jesus Cristo e dar testemunho deles.
Pela acção do Espírito Santo, todo o crente pode ver a glória do Pai no Filho, glória que transcende o puramente histórico. E por isso mesmo a cadeia de testemunhas não desaparece, permanece viva na Igreja e nos seus sacramentos, nos quais o Espírito Santo continua a dar testemunho de Jesus. O Espírito Santo é o testemunho íntimo no homem da verdade de Jesus Cristo(cf Jo 6,44; 1Jo 5,9-10). Viver, pois, no Espírito, a espiritualidade do catequista, é uma necessidade para poder ser testemunha na catequese.
Por este testemunho, podemos conhecer o testemunho que Jesus dá do Pai, e o Pai dá testemunho de Jesus através das obras que Lhe permite realizar. Jesus Cristo, por sua vez, revela o Espírito Santo. O Espírito Santo possibilita o testemunho interior nos fiéis, que se convertem, com toda a sua vida, em garantia daquilo que transmitem – é a coerência do testemunho –, ainda que aquilo que transmitem não possa ser empiricamente comprovado.
O testemunho eclesial passa, portanto, da simples narração à profissão de fé. Neste sentido, o testemunho prolonga-se na vida da Igreja, nos sacramentos, na acção interior do Espírito Santo que comunica certeza àquilo em que se acreditou, para que se possa testemunhar com autoridade. A autoridade será tanto maior quanto maior for a acomodação da própria vida a Jesus Cristo, objecto de todo o testemunho eclesial e cristão.
A terminar, podemos dizer que o testemunho bíblico é essencialmente religioso. É uma proclamação exterior da Boa Nova da Salvação e o envolvimento da pessoa, por palavras e por obras, que chega até ao martírio. O testemunho exterior é possível graças ao testemunho interior do Espírito Santo, que torna o homem capaz de acolher o evangelho e aderir a ele com fé. Sem o Espírito Santo, o testemunho exterior torna-se estéril. Pela acção do Espírito Santo na Igreja(Cf LG 19), o catequista pode introduzir-se no mistério trinitário e viver dele, pois só sob a influência do Mistério sobre a totalidade da vida da Igreja é possível o testemunho pascal dos cristão no mundo.

O testemunho no Vaticano II
No período anterior ao Concílio Ecuménico Vaticano II, muito por influência dos movimentos da Acção Católica, o termo ‘testemunho’ começa também a ter como sinónimo o de ‘compromisso’. Percebe-se que num mundo secularizado, a Igreja tem de agir através de comunidades vivas, activas e muito comprometidas, que anunciam o Evangelho nas famílias, nas ocupações laborais e sociais. O termo testemunho adquiriu tal força que chegou a substituir a expressão corrente de ‘santidade’. No período após o Concílio, para se referir à santidade de vida, começou a empregar-se o a expressão ‘testemunho de vida’. Mas vamos ver, resumidamente, o que o Concílio Ecuménico Vaticano II ensina sobre o testemunho, na perspectiva que nos ocupa, vendo essencialmente os textos.
O testemunho é um dever que incumbe a todo o Povo de Deus, não apenas a uma parte dele, e deve ser difundido através de uma autêntica vida teologal e olhando os bens eternos(Cf LG 35): “Como o Povo de Deus vive em comunidades, sobretudo diocesanas e paroquiais, e é nelas que, de certo modo, se torna visível, pertence a estas dar também testemunho de Cristo perante as nações.
A graça da renovação não pode crescer nas comunidades, a não ser que cada uma dilate o campo da sua caridade até aos confins da terra e tenha igual solicitude pelos que são de longe como pelos que são seus próprios membros”(AG 37). O Povo de Deus, participa, assim, da função profética de Cristo “difundindo o seu testemunho vivo, sobretudo pela vida de fé e de caridade, oferecendo a Deus o sacrifício de louvor”(LG 12).
O Concílio reconhece que a evangelização, o anunciar Jesus Cristo, vai de encontro às necessidades mais profundas do ser humano, às suas aspirações. Pois, “ao dar a conhecer Cristo, a Igreja revela, por isso mesmo, aos homens, a genuína verdade da sua condição e da sua integral vocação, pois Cristo é o princípio e o modelo da humanidade renovada e imbuída de fraterno amor, sinceridade e espírito de paz, à qual todos aspiram”(AG 8).
É à Igreja, toda ela, que cabe, então a missão de dar testemunho, onde quer que os fiéis estejam e em todos os estados de vida. Este testemunho realiza-se através da santidade, guiados pelo Espírito Santo. A santidade “é cultivada por aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus e, obedientes à voz do Pai, adorando em espírito e verdade a Deus Pai, seguem a Cristo pobre, humilde, e levando a cruz, a fim de merecerem ser participantes da Sua glória. Cada um, segundo os próprios dons e funções, deve progredir sem desfalecimentos pelo caminho da fé viva, que estimula a esperança e que actua pela caridade”(LG 41).
O testemunho cristão pressupõe e exige uma formação prévia. Só pode testemunhar, de facto, aquele que primeiro percorreu um caminho de descoberta do Senhor, que conhece a Sua doutrina e a vive, e celebra a fé. É, pois, necessário que os fiéis consigam “um conhecimento mais profundo da verdade revelada, e peçam insistentemente a Deus o dom da sabedoria”(LG 35). Para dar bom testemunho é preciso a formação e a oração.
Todos os elementos do Povo de Deus “têm obrigação de manifestar, pelo exemplo da vida e pelo testemunho da palavra, o homem novo de que se revestiram pelo Baptismo, e a virtude do Espírito Santo por quem na Confirmação foram robustecidos, de tal modo que os demais homens, ao verem as suas boas obras, glorifiquem o Pai e compreendam mais plenamente o sentido genuíno da vida humana e o vínculo universal da comunidade humana”(AG 11).

O testemunho laical
O Papa João Paulo II, após o sínodo de 1987, publicou a exortação apostólica Chritifideles Laici, sobre a missão e vocação dos leigos. Este documento começa por realçar que o leigo é, desde o primeiro momento, enviado pelo Senhor a trabalhar na Sua vinha, no mundo, “que deve ser transformado segundo o plano de Deus em ordem ao advento definitivo do Reino de Deus”(ChL 1), ou seja, com uma consciência escatológica. A Igreja tem consciência de que todos os baptizados participam da sua missão e quer “alimentar uma tomada de consciência mais decidida do dom e da responsabilidade que todos os fiéis leigos, e cada um deles em particular, têm na comunhão e na missão da Igreja”( ChL 2).
Os trabalhadores da vinha do Senhor, nos dias de hoje, estão inseridos num mundo paradoxal e têm de “de encarar de frente este nosso mundo, com os seus valores e problemas, as suas ânsias e esperanças, as suas conquistas e fracassos: um mundo, cujas situações económicas, sociais, políticas e culturais, apresentam problemas e dificuldades mais graves do que o que foi descrito pelo Concílio na Constituição pastoral Gaudium et spes. É esta, todavia, a vinha, é este o campo no qual os fiéis leigos são chamados a viver a sua missão. Jesus quer que eles, como todos os Seus discípulos, sejam sal da terra e luz do mundo”(ChL 3), ou seja, há uma chamada ao testemunho de toda a Igreja e, por conseguinte, dos leigos também.
A santidade dos leigos, a sua vida no Espírito, exprime-se de modo especial na inserção nas realidades temporais e na forma específica de participarem, como crentes, nas realidades terrenas. Esta vocação à santidade “deverá ser compreendida e vivida pelos fiéis leigos, antes de mais, como sendo uma obrigação exigente a que não se pode renunciar, como um sinal luminoso do infinito amor do Pai que os regenerou para a Sua vida de santidade. Tal vocação aparece então como componente essencial e inseparável de nova vida baptismal e, por conseguinte, elemento constitutivo da sua dignidade. Ao mesmo tempo, a vocação à santidade anda intimamente ligada à missão e à responsabilidade confiadas aos fiéis leigos na Igreja e no mundo”(ChL 17).
A Igreja, como comunidade de santos, vê-se enriquecida com a santidade de cada um dos seus membros e pode, deste modo, dar um maior testemunho d’Aquele que a fundou e incumbiu de transmitir a Boa Nova a todos os povos.
A santidade, a vida no Espírito, não só não é algo acessório à vida da Igreja, como é “um pressuposto fundamental e uma condição totalmente insubstituível da realização da missão de salvação na Igreja. A santidade da Igreja é a fonte secreta e a medida infalível da sua operacionalidade apostólica e do seu dinamismo missionário. Só na medida em que a Igreja, Esposa de Cristo, se deixa amar por Ele e O ama, é que ela se torna Mãe fecunda no Espírito”(ChL 17), gerando filhos no Filho.
A dignidade dos fiéis leigos advém do viver e assumir o Baptismo, através do qual os leigos são constituídos em Povo de Deus e participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo; exercem pela parte que lhes toca, na Igreja e no mundo, a missão de todo o povo cristão, através da acção do Espírito Santo. Este unge o baptizado e “imprime-lhe a Sua marca indelével e faz dele templo espiritual, isto é, enche-o com a santa presença de Deus, graças à união e à conformação com Jesus Cristo. Com esta espiritual ‘unção’, o cristão pode, por sua vez, repetir as palavras de Jesus: ‘O Espírito do Senhor está sobre mim: por isso, me ungiu e me enviou para anunciar a Boa Nova aos pobres, para proclamar a libertação aos cativos, e aos cegos o recobrar da vista, para mandar em liberdade os oprimidos e proclamar um ano de graça do Senhor’. Assim, com a efusão baptismal e crismal o baptizado torna-se participante na mesma missão de Jesus Cristo, o Messias Salvador”(ChL 13).
Cada leigo participa do múnus profético de Cristo que proclamou, por palavras e obras, o Reino de Deus, e está habilitado a “aceitar, na fé, o Evangelho e a anunciá-lo com a palavra e com as obras, sem medo de denunciar corajosamente o mal. Unidos a Cristo, o ‘grande profeta’, os leigos são constituídos no Espírito ‘testemunhas’ de Cristo Ressuscitado”(ChL 14). Participam, então, no sentido da fé sobrenatural da Igreja e transmitem-na.
A dignidade do leigo revela-se, pois, em plenitude “quando se considera a primeira e fundamental vocação que o Pai, em Jesus Cristo por meio do Espírito Santo, dirige a cada um deles: a vocação à santidade, isto é, à perfeição da caridade”(ChL 16). O santo acaba por ser o testemunho mais excelente da dignidade conferida aos discípulos de Cristo. É a vocação universal à santidade.
Nos nossos dias, quando urge uma nova evangelização, vemos que há necessidade de “que todos os cristãos retomem o caminho da renovação evangélica, acolhendo com generosidade o convite apostólico de ‘ser santos em todas as acções’”(ChL 16), respondendo positivamente ao apelo do Baptismo a viver uma vida no Espírito, assumindo a radicalidade evangélica.
Esta radicalidade é, hoje, muitas vezes incompreendida e até impopular em muitos âmbitos, onde se chega, não só à recusa da fé, como também à indiferença religiosa. Seja como for, há a obrigação de dar testemunho completo “da esperança que há em nós. Não devemos ter medo que possa constituir ofensa à identidade de outrem aquilo que é, inversamente, anúncio jubiloso de um dom, que se destina a todos e, por conseguinte, há-de ser proposto a todos com o maior respeito da liberdade de cada um: o dom da revelação do Deus-Amor, que ‘amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único’”(NMI 56). É no Baptismo, após um percurso completo de iniciação cristã, que encontramos os alicerces da missão catequética laical(Cf CCE 1212).
Cada vez mais são precisos catequistas com convicções profundas que, em diálogo com o mundo, anunciem com alegria a graça que receberam e querem também, por sua vez, transmitir: a fé.


Epílogo: A alegria de anunciar a Boa Nova
A alegria e o gozo do anúncio da Palavra e do Evangelho de Jesus Cristo são características próprias da espiritualidade do catequista. É precisamente a alegria do catequista, como gozosa participação na vida do Espírito, a demonstração mais evidente de que a Boa Nova que anuncia encheu o seu coração.
Há diversos tipos de alegria, diversos graus. Mas só se pode falar em alegria no sentido estrito, quando o ser humano, a nível das suas faculdades superiores, encontra a satisfação e possui um bem conhecido e amado. De acordo com este ensinamento de S. Tomás de Aquino, e vendo as potencialidades desta afirmação, o Papa Paulo VI, na exortação apostólica Gaudete in Domino, afirma que o ser humano não só pode sentir e experimentar as alegrias humanas quando está em contacto e comunhão com a natureza e com a humanidade, mas também pode atingir o grau mais elevado de felicidade que é a alegria da comunhão com Deus. Aí, o ser humano conhece a alegria e a felicidade espiritual quando o seu espírito entra em comunhão com Deus, conhecido e amado como bem supremo. A alegria verdadeira não provém dos prazeres efémeros nem das certezas do mundo, mas sim da vida espiritual, pois é um fruto do Espírito.
O homem pode entrar verdadeiramente na alegria espiritual aproximando-se de Deus e afastando-se do pecado. Sabemos que as capacidades humanas não atingirão, por si sós, este objectivo, mas a Revelação pode abrir esta perspectiva e a graça pode operar esta conversão. A alegria cristã é por sua essência uma participação espiritual da alegria insondável – simultaneamente divina e humana – do Coração de Jesus glorificado. Através da oração pode experimentar-se mais profundamente esta grande alegria: cada cristão sabe que vive de Deus e para Deus.
E ninguém é excluído deste chamamento universal à felicidade, na sua vida concreta. O próprio Senhor Jesus, na sua vida pública, o mostrou quando experimentou “na sua humanidade todas as nossas alegrias. Ele, palpavelmente, conheceu, apreciou, louvou toda a espécie de alegrias humanas, as alegrias simples e quotidianas que estão ao alcance de todos. A profundidade da sua vida interior não desvirtuou a claridade do seu olhar, nem a sua sensibilidade”(GD 3), antes pelo contrário. Porque vivia unido ao Pai e animado pelo Espírito Santo, a Sua humanidade podia descobrir a verdadeira alegria das coisas simples.
É a partir da vida no Espírito, que os discípulos de Jesus Cristo são chamados a participar da alegria divina, alegria essa que se fundamenta na participação no amor trinitário. “Jesus quer que sintam dentro de si a sua mesma alegria em plenitude: ‘Eu revelei-lhes o teu nome, para que o amor com que tu me amaste esteja neles e eu também esteja neles’”(GD 3).
Estar dentro do amor de Deus é uma possibilidade que se realiza nesta vida concreta, através da opção pelas coisas do Reino. Claro que pode obrigar a um caminho difícil, mas é o único que leva à verdadeira alegria: o caminho das Bem-aventuranças. Convém ter presente que a alegria do Reino feita realidade, não pode brotar senão da celebração conjunta da morte e ressurreição do Senhor. É o paradoxo da condição cristã que tem em Jesus Cristo o seu esclarecimento. À luz do novo Adão, os sofrimentos e dificuldades não são eliminados, mas adquirem um novo sentido, porque há a certeza de participar na redenção realizada por Jesus Cristo e participar da Sua glória.
À luz do mistério pascal percebemos a nova presença do Senhor junto daqueles que envia, dispensando a cada um o Seu Espírito, para que habite neles. Assim, “o Espírito Paráclito é dado à Igreja como princípio inesgotável da sua alegria de esposa de Cristo glorificado. Ele o envia de novo para recordar, mediante o ministério de graça e de verdade exercido pelos sucessores dos Apóstolos, o próprio ensino do Senhor. Ele suscitou na igreja a vida divina e o apostolado. E o cristão sabe que este Espírito não se extinguirá nunca no curso da história”(GD 3). A alegria do Pentecostes não terá fim, pelo que o Espírito Santo suscitará no coração de cada ser humano uma oração filial. A partir daqui está-se em condições de possuir a alegria propriamente espiritual, pois está-se no pleno conhecimento e posse do Bem amado: Deus Trindade, conhecido pela fé e amado pela caridade, levando cada catequista a sentir necessidade, como profeta, de dizer a Verdade que o anima.
O catequista, por muitas dificuldades que enfrente, desde que esteja inserido na comunhão de amor trinitário, sente sempre a alegria divina, pois participa do amor de Deus(cf Jn 17, 25-26). Esta consciência leva-o a ser sal e luz do mundo, anunciando a Boa Nova com alegria. Deste modo não sucumbirá à falta de fervor, que se manifestaria no cansaço, acomodação, desinteresse e desilusão. Antes se alimenta continuamente com verdadeiro fervor espiritual.




[1] FRANCO MARTÍNEZ, C. A., “El catequista y su vida en el Espíritu. Espiritualidad del Catequista”, Actualidad Catequética, 177 (1998), p.83.
[2] Cf Sto Agostinho, De Catechizandis Rudibus, PL 13, 18, 4.
[3] Cf FERRER LUJÁN, F., “El Espíritu Santo en la misión evangelizadora y catequética de la Iglesia”, Actualidad Catequética, 177 (1998) p.48.
[4] Cf COLOMB, J., Manual de Catequética, vol. 2. Biblioteca Herder. Sección Pedagogía, 125, Ed. Herder Barcelona 1971, p.864.
[5] JOÃO PAULO II, Novo Millennio Ineunte, ed AO, Braga 2001, 16. De seguida citaremos este documento pelas iniciais NMI.
[6] PÉREZ SÁNCHES, F., “El testimonio en el Antiguo Testamento”, Teología y Catequesis 81 (2002) p.11.
[7] CASTAÑO, A., “La Revelación como testemonio en el Nuevo Testamento”, Teología y Catequesis 81 (2002) p.19.
[8] CAMPO GUILARTE, M., “Transmisión de la fe e iniciación cristiana hoy”, Teología y Catequesis 77 (2001) p.79.
[9] LATOURELLE, R., “Testemunho”, in LATOURELLE, R.; FISICHELLA, R., Dicionário de Teologia Fundamental, ed. Vozes, Petrópolis 1994, p.998.
[10] CASTAÑO, A., “La Revelación como testemonio en el Nuevo Testamento”, Teología y Catequesis 81 (2002) p.24.

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