30 abril 2009

A metáfora da tartaruga ou a transgressão

A tartaruga acaba de deixar o seu esconderijo para um passeio nocturno. O sapo vê-a sair de casa àquela hora, e adverte-a: «A esta hora não é muito aconselhável sair, tartaruga». Mas a tartaruga continua, e, arriscando um passo mais longo, vê-se virada de patas para o ar, sobre a sua própria couraça. O sapo exclama: «Eu bem te avisei, tartaruga; é uma imprudência sair a esta hora; morrerás aí!» «Bem sei», respondeu a tartaruga com um olhar entre a malícia e a delícia; «Bem sei, mas é a primeira vez que estou a ver o céu estrelado!» A tartaruga ensina que não nos podemos contentar em viver mais ou menos tranquilamente com a cabeça enterrada na areia do céu ou da terra. Deduzir o céu da terra, ou o Último do penúltimo, é apenas areia. Areia é trocar o Último pelo penúltimo. O penúltimo é o mundo dos meios sem fins, «excesso de meios, míngua de fins», como bem refere o médico e filósofo da medicina Edmund Pellegrino, o mundo da «razão instrumental», locução cunhada pelo filósofo e sociólogo Max Horkheimer (1895-1973), para mostrar o que acontece quando o sujeito do conhecimento toma a decisão de que conhecer e saber é dominar e controlar tudo e todos, tornando-se a ciência um instrumento de domínio, poder e exploração. É o mundo das pessoas como objectos, que se movem no tempo como os objectos se movem no espaço. Um passo em frente. É imperioso e urgente pensar. Trans-gredir. «Pensar é trans-gredir» (Denken heisst überschreiten), palavras gravadas na pedra tumular de Ernst Bloch (1885-1977). Sair de casa como a tartaruga, extasiar-se e desviar-se do caminho como Moisés (Ex 3,3-4). É o céu que vem interromper curso e percurso. O Último interrompe o penúltimo, mundo desencantado (Max Weber), outra vez visitado, amado, encantado. Pensar é trans-gredir, pensar é ser pensado, amado. A luta e o amor. «Tu és bela, minha amada,/ terrível como um exército em ordem de batalha» (Ct 6,4). Para além dos meios. Amor sem luta é posse de um objecto. O amor verdadeiro é agónico. Não é por acaso que agápê (amor) e agôn (luta) têm a mesma etimologia. Paradoxo do amor: o amor faz-te feliz, matando-te! Quanto mais amas, lutas, e te matas a amar, mais te encontras: «Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; ao contrário, quem perder a sua vida por causa de mim, salvá-la-á» (Lc 9,24). Aí está o verdadeiro ícone do amor, Cristo, que não se salvou a si mesmo para me salvar a mim, morrendo por amor de mim, trans-gredindo assim a morte. Ícone do amor. Ícone também da trans-gressão, do advento e do êxodo: sai de Deus, sai de si, sai para Deus.


Este é um excerto de um texto poderosíssimo, publicado em Mesa de Palavras, que faz uma leitura muito lúcida dos tempos que vivemos. Vale a pena, mas só para quem tiver muito fôlego. Se não tem, nem tente ler. Este texto não é para qualquer um.

Oração

Amando-te, encontro tudo o que estava perdido,
tudo se converte em canto de louvor
e de acção de graças por tua Infinita Magestade.
O que estava dividido, teu Amor unifica;
o que estava disperso, é atraído para ti;
O que era puramente exterior,
teu amor faz entrar no mais profundo de si.
Teu Amor é quem me faz aceitar
a vida quotidiana tal e como ela se apresenta,
e quem transforma portanto,
cada uma das jornadas humanas num dia de Graça.
Tu, único e último fundamento de todo o ser,
tu que és Amor, dá-me parte de teu Amor,
para que todos os meus dias estejam orientados
para o Dia único de tua Vida Eterna.

Karl Rahner

29 abril 2009

Vamos viajar?

Aqui estão um sítio que permite umas quantas viagens!

Desfrutem...




Nenhum Homem

"No man is an island entire of itself;
every man is a piece of the continent, a part of the main.
If a clod be washed away by the sea,
Europe is the less,
as well as if promontory were,
as well as if a manor of thy friend's or of thine own were.
Any man's death diminishes me,
because I am involved in mankind;
and therefore never send to know for whom the bell tolls;
it tolls for thee."
John Donne


Nenhum homem é uma ilha, inteira em si;
todo homem é uma parte do continente,
um pedaço do território todo.
Se um torrão de terra for levado pelo mar,
a Europa fica menor como se fosse um promontório,
como se fosse a casa de teu amigo ou a tua própria.
A morte de qualquer homem me diminui um pouco,
pois estou envolvido com toda a humanidade e,
portanto, não mandes perguntar por quem os sinos dobram;
eles dobram por ti.